Você começa abrir os olhos lentamente. A cabeça está um pouco pesada,
a garganta seca e o corpo rígido e gelado. Os olhos começam a enfocar
o que está em sua volta, você vê um homem vestido com uma espécie de traje
espacial que olha para você sorridente e diz: "
Você conseguiu.
Seja bem vindo ao século XXV".
Isto pode parecer uma história de ficção científica, contudo, muitas
pessoas estão investindo tempo e dinheiro na ciência da hibernação na
esperança de que um dia, décadas ou séculos depois de sua "morte",
possam ser curadas e devolvidas à vida.
A teoria da hibernação é tão simples quanto fascinante: depois da morte
de uma pessoa, seu corpo é congelado para ser, em um futuro de tecnologia
avançada, devolvido à vida. Todos os seus problemas, inclusive o de possuir
um corpo mortal estão solucionados. Em um futuro onde todas as doenças
são curadas a pessoa poderia, de 200 a 300 anos depois de sua "morte",
simplesmente levantar-se e sair para um passeio.
A Conservação
A criobiologia surgiu nos anos 50, quando começou-se a congelar esperma
de touros para inseminação artificial. Em 1964, Robert Ettinger lançou
a idéia da conservação da vida humana em seu livro
A esperança da imortalidade,
causando um grande impacto.
Três anos depois, o Dr. James Bedford, um americano de 74 anos, adepto
da hibernação, foi o 1º homem que, depois de falecer vítima de um câncer
de pulmão, foi deixado em "suspensão" através do uso de baixas
temperaturas. Desde então, as sociedades que se dedicam à hibernação possuem
centenas de clientes, a maioria dos quais estão ainda vivos.
Seus clientes carregam um cartão que adverte: "Não submeter à autópsia
ou embalsamar", e para que não haja perda de tempo, no cartão também
está indicada a pessoa que deve ser contatada.
Congelar o corpo
O processo de congelamento é relativamente simples. Em 1º lugar, o sangue
é extraído e sustituído por um líquido anticongelante. Em seguida, o corpo
é rapidamente congelado na velocidade de vários graus por segundo, até
alcançar a temperatura de -196°C. Uma velocidade menor no processo de
congelamento, acabaria produzindo a formação de grandes cristais que danificariam
as membranas celulares.
A temperatura de -196°C é crítica, isto significa que trata-se da temperatura
de ebulição do nitrogênio líquido, a substância química utilizada para
manter o corpo congelado. O nitrogênio líquido é utilizado porque impede
a decomposição do corpo.
Uma vez congelado, o corpo é depositado em um tanque cilíndrico de aço,
chamado
dewar. Este tanque só poderá ser aberto- exceto para reabastecimento
periodicamente de nitrogênio- no momento em que o corpo será reavivado,
o que pode ocorrer depois de vários séculos.
Na aplicação desta prática existem fundamentalmente duas opções: o congelamento
do corpo inteiro (o corpo é congelado de cabeça para baixo) e o congelamento
apenas da cabeça e do cérebro. Os clientes mais prudentes escolhem a 1ª
opção, porque se ocorrer uma elevação da temperatura, apenas os pés seriam
afetados dando tempo para o problema ser solucionado. Em contrapartida,
os clientes que aceitam a 2ª opção estão mais de acordo com a lógica da
hibernação, pois acreditam que no futuro será possível clonar um novo
corpo utilizando o DNA do cérebro, e portanto não há necessidade do antigo
corpo. Além disso, apesar de todas as precauções, o corpo poderia sofrer
danos por causa do congelamento: seus órgãos internos poderiam quebrar,
abrir e desagregar-se. Finalmente, conservar apenas a cabeça é mais barato,
e em casos de emergência, esta pode ser transportada com maior facilidade.
Esquema prático do
Processo de Congelamento:
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Durante um breve período, depois do falecimento,
é preciso manter o fluxo de oxigênio para o cérebro para que uma
parte deste sobreviva. Depois de concluída esta operação, o corpo
pode ser submetido ao congelamento. |
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1) Através de um banho gelado e um alterador
de calor, o corpo é refriado rapidamente até alcançar a temperatura
de 0ºC. Uma máquina assegura a circulação sangüínea e fornece
oxigênio ao paciente.
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2) São injetados medicamentos que reduzem a atividade
metabólica do corpo. O sangue é extraído e substtuído por um
líquido artificial anti-congelante que evita a coagulação e
previne o desenvolvimento de bactérias.
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3) Finalmente, o corpo congelado a -196°C, é
conservado de cabeça para baixo em um tanque contendo nitrogênio
líquido.
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Sem Desespero
Ser otimista é fundamental. De fato, as pessoas que pagaram para converterem-se
em
corpsicles (como são chamados os corpos congelados), devem acreditar
que irão sobreviver tanto ao processo de congelamento como também ao processo
de descongelamento. Além disso, devem acreditar que o mundo no qual voltarão
a viver terá todos os meios necessários para desenvolver-lhes a vida.
Os defensores da hibernação citam como provas as experiências científicas
que recuperaram alguns animais de um estado de morte, utilizando as mesmas
criotécnicas de congelamento idealizadas para os humanos.
Em maio de 1992, por exemplo, em um babuíno anestesiado foi aplicado
um líquido especial substituindo o seu sangue, em seguida seu corpo foi
colocado no gelo e a temperatura foi sendo diminuída até que finalmente
ficasse congelado. Uma hora depois o babuíno era reanimado com sucesso.
Em outra experiência, um cão da raça pastor alemão foi congelado por
4 horas. Também neste caso, seu sangue foi trocado por uma substância
artificial. O coração do cão assim como sua ativiadde cerebral haviam
parado. Os pesquisadores da Alcor, sociedade dedicada à hibernação, conseguiram
recuperar o cão em perfeito estado de saúde.
Os opositores da prática da hibernação observam que uma coisa é um animal
ser congelado durante algumas horas, e outra é congelar um ser humano
durante décadas ou séculos. Além disso, os opositores ainda lembram que
muitas experiências com animais não foram bem sucedidas. Os defensores
da hibernação replicam dizendo que tais fracassos ocorreram em função
da formação intracelular de cristais devido a um processo de congelamento
muito lento, e afirmam que este problema tem solução.
Para apoiar suas próprias teorias, os pesquisadores acreditam na microtecnologia,
a qual preconiza que robôs microscópicos poderão percorrer o corpo humano
diagnosticando anormalidades e reparando células em tempo real. Segundo
os mais otimistas, esta tecnologia poderá reviver a pessoa, que escolhe
em que idade começará a viver. Parece que a idade preferida está em torno
dos 25 anos.
Dinheiro Desperdiçado?
Os biólogos ingleses Peter e Jean Medawar são dois típicos representantes
de um pequeno e coeso grupo de estudiosos que acreditam que a ciência
nunca poderá encontrar um mecanismo para reanimar os corpos conservados
durante tanto tempo. "
Nós acreditamos que investir na tentativa
de conservar a vida humana é desperdicio de dinheiro", declaram.
Alguns cientistas são menos diplomáticos. O criobiólogo Arthur Rowe é
o responsável pela célebre declaração: "
Pensar que depois da hibernação
pode-se devolver a vida a alguém é o mesmo que acreditar que hambúrguer
pode ser reconvertido em uma vaca".
Os homens da Alcor contra-atacam dizendo que "
as técnicas de
congelamento utilizadas basiam-se nas observações descritas em centenas
de publicações científicas que demonstram que as células dos mamíferos,
inclusive as cerebrais, podem resistir ao congelamento e ao subsequente
descongelamento".
Aversão Moral
A hibernação tem levantado polêmicas desde o início. A igreja católica,
por exemplo, considera moralmente inaceitáveis os princípios fundamentais
desta ciência, sustentando que o homem não está destinado a alcançar a
imortalidade neste mundo. Esta espécie de "ressurreição tecnológica"
não tem nenhuma relação com a ressurreição de Cristo na Bíblia.
Crise de Identidade
Não existem provas de que um indivíduo descongelado possa recuperar sua
própria individualidade psíquica. As atividades do cérebro, em especial
as relativas à memória, são um dos maiores ENIGMAS da biologia.
Se a memória não passa de uma série de impusos elétricos, depois de transcorridos
alguns séculos dentro de um
dewar, estes impulsos terão cessado.
Em outras palavras, a pessoa descongelada poderia despertar com um cérebro
de recém-nascido ou com um corpo vivo e um cérebro neurologicamente morto.
Ainda assim, mesmo que os processos da memória fossem baseados em reações
de natureza química, o resultado não seria melhor. De qualquer forma,
se psiquimicamente não percebemos o regresso à vida, pode ser que acabe
sendo o mesmo que estarmos mortos.
Supondo que tudo ocorra bem, segundo os planos estabelecidos e que se
possa voltar à vida com o corpo e o cérebro em pleno funcinamento, temos
que considerar outros fatores: Como se sobreviverá na "nova"
vida? Não ocorrerão lembranças pertubadoras? Não poderiam ocorrer doenças
físicas ou mentais? Qual seria a reação de uma civilização avançada? O
hibernado poderia acabar se tornando uma atração de circo. As bactérias
não representariam um perigo para nossos salvadores depois de superado
o processo de hibernação?
Viajantes do Tempo
Se no século XXV desaparecer a maior parte das doenças que hoje nos afligem,
é possível que um mundo já super povoado não esteja interessado nos "viajantes
do tempo".
Contudo, as sociedades que dedicam-se à hibernação poderiam estar interessadas
em reviver seus clientes e se puderem provar sua capacidade para devolver
a vida, seriam reconhecidas como pioneiras da ciência.
Frases Imortais
"Não temos a certeza de que voltaremos a viver,
porém morreremos sabendo que existe a possibilidade"
Maureen Michaels, cliente da hibernação
"É evidente que, pelo menos no momento, a hibernação
é só uma forma mais extravagante e cara de enterrar cadáveres"
Morton Schatzman, psiquiatra
Fonte: Revista Fator X nº 7.
Postado por Anderson Drumond